"Na Igreja, os papas devem ser acolhidos como pastores, não venerados, muito menos feitos santos imediatamente".
A opinião é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 09-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
A morte de Bento XVI, papa emérito residente no Vaticano ao lado de seu legítimo sucessor Francisco, deveria ser um acontecimento vivido pelos católicos com serenidade, gratidão e acolhimento seu testemunho de uma fé límpida e firme. Ao contrário, também nesta ocasião foram fomentadas divisões, confrontos e contestações das quais a Igreja, especialmente hoje, certamente não precisa. Na verdade, vive uma hora não só de mudança, mas também uma fase de resistência um seu interno. É difícil definir os alinhamentos altamente polarizados: há cristãos tão ligados às tradições que temem "reformas" das realidades de que vive a Igreja, liturgia, moral, relações com o mundo, e há outros que sentem a urgência de uma forte renovação.
O Papa Bento foi certamente uma voz que queria guardar o tesouro do passado do cristianismo, assim como Francisco parece responder ao desejo de uma Igreja mais inclusiva, menos intransigente e mais misericordiosa, mais atenta aos sinais dos tempos e dos lugares. No entanto, a diferença entre os estilos dos pastores que se sucedem no governo da Igreja não deve se tornar causa de conflito, mas deve ser considerada riqueza.
Ainda hoje pesa sobre a Igreja a insistente persistência de uma papolatria que impede o papa de ser simplesmente o humilde sucessor de Pedro. O Papa deve ser um bispo que governa, ou melhor, que preside à comunhão das igrejas e da Igreja. É a sua verdadeira e única função: trabalhar pela comunhão, presidir à comunhão, reconduzir à comunhão. Em vez disso, continua-se a querer um guardião da verdade dogmática, uma figura que seja um líder, um augusto pontífice romano em vez de um servidor da comunhão.
Por isso, desde o início do Cristianismo, as Igrejas estão divididas entre si. E a esse respeito devemos ser claros: não haverá verdadeira sinodalidade sem uma reforma também do papado, como intuiu João Paulo II em sua encíclica Ut unum sint.
Quanto a aceitar o magistério do papa na cátedra e o do papa emérito com obediência crítica, mas também com inteligência e liberdade, será necessário evitar “fazer falar os mortos”, tentação que sempre reaparece naqueles (quem) pretendem referir as palavras de quem já não está mais vivo, querendo interpretá-lo e reatualizá-lo. Não, de que já não existe mais, só é determinante o que fez, disse e escreveu publicamente. Já na Bíblia, fazer os mortos falarem é considerado um grande pecado: porque é fácil que até palavras justas aparecerem na luz da recriminação e da releitura interessada.
Também nesse discernimento, os católicos devem amadurecer e aceitar uma Igreja, sem recorrer a uma perspectiva cátara que quer uma Igreja feita só de santos, sem rugas nem sujidades.
Na Igreja, os papas devem ser acolhidos como pastores, não venerados, muito menos feitos santos imediatamente. Também eles são homens limitados e pecadores e realizam um serviço necessário, mas marcado por limitações e pelo limite último da morte.
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Igreja dividida e idolatria do Papa. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU